Eu tenho várias personalidades. Quando criança, fui um príncipe de um lugarejo distante, na Inglaterra medieval; hoje sou um artista que faz filmes europeus, e mora em Paris. Até já fui entrevistado pelo Jô Soares, não sei se em francês ou em português, sei que foi uma entrevista engraçadíssima. Coitado de mim, tudo o que tenho é uma casa com algumas macieiras, e um rio, que eu, enquanto príncipe, banhava até o anoitecer.
Meu pai era um homem sempre cansado, que se queixava de tudo e só falava sério, não brincava nem sorria. Na rua, o contrário: não havia ninguém que o tivesse conhecido que não se lembrasse dele como um excelente papo, sempre às gargalhadas e cheio de história para contar, permanentemente interessado em conquistar todas as mulheres do mundo. Pobre da minha mãe, que, não sabendo como agir, se encolhia dentro de si mesma, sem se manifestar.
Minha mãe; era estranha nossa relação. Não que fosse ruim, isso não. Simplesmente não era. Jamais tivemos uma briga, uma discussão. Não que ela fosse indiferente: acho que ela não tinha coragem de me enfrentar, nem mesmo quando eu era muito pequeno. Tinha por um lado uma enorme admiração por minha coragem e independência, mas nunca conversou comigo sobre assunto algum, éramos dois desconhecidos, apenas morávamos na mesma casa, e, se alguém me pergunta hoje como era minha mãe, não sei responder. Acho que ela não conseguia se comunicar, nem comigo nem com ninguém. Uma vida não vivida, penso eu. Um dia ela me contou que fez uma curta viagem, foi visitar a família, e num determinado momento o ônibus parou para que os passageiros fossem ao toalete, bebessem alguma coisa. Ela, que estava só, desceu, sentou-se numa mesa e tomou um café com leite; e me disse que essa foi a maior aventura da sua vida. Nunca me esqueci disso. Eu não sei o que quero da vida, mas sei bem o que não quero: ter uma vida igual à dela.
Bel Ami
6 comentários:
caraca meu
que loucura
so voce Bel!!!
Você tem um modo muito bonito de se expressar. Admiro isso.
Belo Amigo,
Poe que é sempre bem mais fácil saber o que não se quer? Será que isso acontece com todo mundo ou será uma desventura, p/ não dizer azar, de poucos??
Beijos verdadeiros
Billie Jean
Bel,
Você me toca profundamente... me deixando sem fala...
E me faz pensar na possibilidade de "ainda sermos os mesmo, e vivermos como nossos pais" (Belchior).
Um grande beijo
Cris Moreto
Oi Bel.
Caramba seus textos são tão verdadeiros.
Não podia deixar de falar. Penso que para sua mãe, dentro do que ela entende por vida, a aventura descrita deve ter sido muito mais emocionate do que muitas das que consideramos inesqueciveis. O que importa é que pra ela isso foi uma superação!
Um bj
Sempre esqueço...
Ana escreveu o comentário acima.
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